“Mãe, por que você me tirou do balé?”. “Porque você me pediu, filha” – respondi para Clara poucos minutos antes de sentar e escrever para vocês. Clara está com 13 anos. E, quando era menor, fez natação e dança.
O primeiro a ajudou a entrar na água e não se afogar. O segundo era, no início, um desejo dela: aprender balé clássico. Talvez por admirar as meninas que perambulavam pela academia com saias de filó e sapatilhas cor de rosa. Depois do segundo ano entre pliés e grand pliés, ela não queria mais seguir na dança. Por que? “Não gosto”, ela respondia cheia de certeza. Eu a recomendava que experimentasse mais um pouco. Poderíamos mudar de escola de dança, testar outras abordagens. Não, não e não.
A professora ficou consternada com a decisão. Clara era, de fato, bastante talentosa. E nova demais para entender a dimensão de suas escolhas. Na apresentação de final de ano, dançou com suavidade e técnica. Ao final, a abracei. E no alto de seus 8 anos, me olhou com uma determinação incomum para alguém de menos de um metro e meio e disse: “satisfeita?”. Respondi que sim. Ela estava linda, afinal. “Então posso sair do balé agora!”. Aquela afirmação me transpassou. Lembrei da minha infância e do tanto de coisas que precisei fazer sem que desejasse.
Eu queria aprender piano, minha mãe me colocou no violão. Dança espanhola? Fui matriculada no balé clássico. Minhas vontades valiam pouco ou quase nada. E não queria repetir essa história. Clara saiu do balé. E hoje se arrepende da decisão. Mas isso não diz respeito apenas a dança clássica e as escolhas de uma menina de muita, muita personalidade. Minha filha ainda tem muito o que entender sobre se abrir para a escuta. Aos poucos, tenho praticado isso com ela. Fácil não é. Saber ouvir, com o coração aberto, demanda maturidade e humildade para acolher a palavra do outro. Algo que ela ainda está aprendendo.
A escrita me ensina sobre isso todos os dias. Saber ouvir. Uma lição que me coloca nos dois lados do balcão. Às vezes sou eu quem precisa aguçar essa audição fina. Isso me ajuda, por exemplo, a perceber histórias nas conversas, nas cenas do cotidiano. Com gente desconhecida ou pessoas queridas. É um aprendizado, que vira material rico para a construção narrativa. Preciso saber ouvir também outros escritores, meus amigos, meu pai, mãe e namorado. São professores da vida. E tudo isso, novamente, se transforma em enredo.
Ultimamente tenho vivido, ainda, o lugar de quem fala e espera que o outro ouça. As mentorias em escrita me colocam o tempo todo nesta posição. A Carol, por exemplo, é minha mentorada. Já fizemos três encontros. Ela está desenvolvendo um livro. E o primeiro e maior desafio dela foi escrever de uma forma menos técnica e mais próxima. O assunto não ajudava. A experiência com textos mais acadêmicos também não. Mas foi preciso apenas um encontro, a partir do material que me apresentou.
Mostrei, na nossa conversa, os pontos da escrita dela que dificultavam o entendimento. E como deveria fazer para modificar aquele formato. Eu sei que muitos conceitos relacionados a escrita estão cristalizados na gente. E que escrever de uma forma mais próxima demanda entrega, abertura. Mas a Carol teve tudo isso. Foi preciso apenas uma conversa para que apresentasse algo completamente diferente. Quando tem dúvidas, entre um encontro e outro da nossa mentoria, me manda áudios pelo whatsapp. Eu a escuto e oriento em relação às dúvidas e inquietações. O resultado tem sido muito bonito. Carol sabe ouvir.
Mas nem sempre é assim. Às vezes, lido com pessoas que não conseguem ir além de si mesmas. Ficam girando em torno dos próprios pensamentos, caminhos, estruturas de escrita. E por mais que as oriente, aponte trajetos, melhorias, não conseguem ter a capacidade de acolher. Acredito que sequer percebem o tanto que estão andando em círculos, presas em si mesmas, cercadas por limites estreitos. O resultado é um texto que segue ao prazer do vento, à deriva. Usam protetores de ouvido. Por que? Já me debrucei demais nessa questão. E cheguei à conclusão que, no final das contas, tudo está relacionado à disposição ou coragem em se entregar.
Acolher a escuta do outro não é para todos. Apenas para aqueles que estão prontos para lidar com a escrita e a vida com valentia. Não existe garantia. De nada. Mas sem isso estaremos sempre presos a um horizonte estreito e limitado.
“Me deixe te guiar” – insisto nas minhas mentorias. “Me ouça com mais generosidade” – insisto com minha Clara. “Escute sem levantar suas defesas” – digo para mim mesma. Estamos todos na mesma estrada, afinal. Obrigada por me ouvir.
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