terça-feira, 5 de abril de 2022

newsletter da betina neves - lembrete

 Eu sou parte de uma geração toda baseada em memes do tipo “expectativa-realidade” sobre a vida adulta.


Tem uma porção de fatores históricos e socioeconômicos que influenciam isso, como se sabe, o tempo dos nossos pais e avós era outro – não melhor, estou convicta.

Mas tem algo sobre “adultecer” que invariavelmente nos faz sentir jogado num campo escuro e sem mapa, onde é preciso cambalear entre as limitações das circunstâncias e algum espectro de possibilidades.

Escolhas são feitas, rumos são tomados, mas daí as coisas mudam, e o que era já não é mais. Porque o mundo se transforma, interesses variam, relações começam e terminam, oportunidades surgem e desaparecem, familiares morrem, corpos adoecem, a nossa noção de identidade se perde e se encontra de novo e de novo.
 
Uma certa frustração com o andar da vida, que vem e vai em diferentes intensidades – e isso independe da idade, acredito – , me parece sair de uma parte da gente que acha que o caminho deveria apresentar alguma linearidade. De que deveria ser um pouco mais estável, um pouco menos errante.

Quando é preciso resumir nossa história para alguém, contamos assim: primeiro eu fiz isso, depois fiz aquilo, aí fui para lá e depois vim pra cá. É assim quando eu entrevisto alguém e peço para a pessoa sintetizar sua ~trajetória: em alguns minutos ela condensa dez anos em um currículo lógico e coeso.

Isso, claro, é um recurso narrativo. Porque, se a entrevista se estende, as nuances aparecem: os altos e baixos, as confusões, as repetições, as demoras, as depressões. Ainda que, quando alguém está falando do passado, muitas vezes já conseguiu ter uma compreensão maior sobre a coisa toda: os percalços e crises já foram digeridos, se tornaram aprendizados, ganharam sentido.

“Se eu não tivesse feito aquilo não teria conhecido fulano”
“Se eu não tivesse passado por isso não teria entendido aquilo”
“Se eu não tivesse sido demitido ali não estaria aqui hoje”


Quando a gente olha para o presente e para frente, não é assim, né. Não tem como saber como o que está acontecendo agora vai fazer sentido no futuro. Nenhuma escolha tem “garantia”. Nenhum caminho acontece sem desafios, incômodos, dúvidas, contratempos. A vida se desdobra múltipla, imperfeita, dinâmica, caótica, cambiante. E qualquer anseio por linearidade é bastante ilusório.

Tomar consciência de si – vestir o próprio corpo e a própria voz –, requer, claro, uma auto investigação que deixe diferenciar o que é nosso e o que vem de fora, da família, da cultura e do sistema, para que as escolhas sejam feitas com mais autonomia e que a gente não chegue lá na frente e perceba que se perdeu da gente mesmo.

E talvez seja libertador lembrar

que seu caminho não precisa fazer sentido pra ninguém mais a não ser pra você.

que é possível, em alguma medida, ir e vir e voltar e experimentar e mudar de ideia.

que muitas vezes não há clareza sobre o que está por vir e isso requer paciência.

que dá para se equilibrar entre agir e esperar, entre mover o que está ao seu alcance e confiar que o resto se desvele.

que existem razões para as coisas acontecerem que vão muito além da nossa compreensão e que algo “dar certo” ou “dar errado” é muitíssimo relativo.

que a vida é feita a mão, ponto a ponto, bela & complexa, e assim é que é.
 
PS. Esse papo me lembrou da teoria dos setênios do Rudolf Steiner, que divide a vida em períodos de sete anos com características específicas. Esse texto aqui explica um pouco.

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